Especialistas apontam que, após sete anos de vigência, ajustes na reforma trabalhista são necessários para adaptar a legislação às novas realidades do mercado, como o trabalho digital e a “uberização”.
Neste mês de novembro, a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) completa sete anos desde sua entrada em vigor, alterando de forma significativa a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Implementada com o intuito de flexibilizar o mercado de trabalho brasileiro, a reforma modificou mais de 100 artigos, buscando modernizar a legislação e promover um ambiente mais dinâmico e flexível para as relações trabalhistas.
A reforma trouxe mudanças estruturais no mercado de trabalho, que, até então, enfrentava elevados índices de desemprego e uma economia estagnada após o impeachment da presidente Dilma Rousseff. A proposta inicial visava aproximar as relações entre empresas e empregados, estabelecendo um cenário mais flexível, no qual acordos individuais e coletivos poderiam prevalecer sobre as normas estabelecidas pela legislação.
Entre os principais pontos alterados pela reforma estão a regulamentação do trabalho intermitente, a flexibilização da jornada de trabalho e a prevalência dos acordos coletivos sobre a CLT. Além disso, houve mudanças significativas em aspectos como a contribuição sindical e o cálculo de horas extras.
Principais Mudanças da Reforma Trabalhista
A seguir, destacamos as principais mudanças promovidas pela reforma e suas consequências para trabalhadores e empregadores.
Flexibilização da Jornada de Trabalho
Uma das mudanças mais notáveis foi a flexibilização da jornada de trabalho. A reforma permitiu que empregadores e empregados negociassem jornadas de até 12 horas de trabalho seguidas de 36 horas de descanso, uma condição antes restrita a setores específicos por meio de acordos coletivos. Esse regime, conhecido como 12×36, passa a ser permitido em qualquer área.
Outro ponto importante foi a alteração nas regras das férias. Antes, as férias de 30 dias poderiam ser divididas em dois períodos; com a reforma, elas podem ser parceladas em até três vezes, sendo que ao menos um dos períodos deve ter 14 dias consecutivos, e os demais, no mínimo, 5 dias cada.
Trabalho Intermitente
O trabalho intermitente foi regulamentado, criando uma modalidade de vínculo empregatício em que o trabalhador é convocado para períodos esporádicos de trabalho, com a remuneração proporcional às horas trabalhadas. Nessa modalidade, direitos como férias, 13º salário e FGTS também são calculados de maneira proporcional.
Embora tenha sido uma tentativa de formalizar atividades antes realizadas na informalidade, como os “bicos”, a advogada trabalhista Rithelly Eunilla, do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados, aponta que o modelo ainda apresenta desafios. “A falta de uma garantia mínima de horas pode resultar em insegurança financeira para os profissionais, que ficam sujeitos à variação de convocações e, em alguns casos, sem remuneração por longos períodos. Apesar de atender à necessidade do setor empresarial, é necessário cautela para evitar que esse modelo se torne uma porta para a precarização do trabalho”, afirma.
Teletrabalho (Home Office)
Com o aumento do trabalho remoto, a reforma passou a regulamentar o teletrabalho, obrigando que essa modalidade fosse formalizada por meio de contrato. O contrato deve definir claramente as responsabilidades tanto do empregador quanto do empregado. Um ponto importante é que o tempo dedicado ao uso de dispositivos e tecnologias fora do horário de expediente não será considerado como hora extra, salvo se houver um acordo específico entre as partes.
Férias: Nova Possibilidade de Parcelamento
A reforma também trouxe a possibilidade de dividir as férias em até três períodos, sendo que um desses períodos deve ser de, no mínimo, 14 dias consecutivos, e os demais, pelo menos 5 dias cada. Essa mudança visa oferecer maior flexibilidade para os trabalhadores, mas também tem gerado debates sobre os impactos na saúde e bem-estar dos colaboradores.
Fim da Obrigatoriedade da Contribuição Sindical
Antes obrigatória, a contribuição sindical foi modificada pela reforma, tornando-se facultativa. O pagamento só ocorre mediante autorização expressa do trabalhador. A medida foi vista como uma forma de reduzir o poder dos sindicatos e facilitar a vida do trabalhador que não desejava contribuir para a manutenção de entidades sindicais.
Compensação de Horas Extras
Antes da reforma, a compensação das horas extras só poderia ocorrer por meio de um acordo coletivo com o sindicato e deveria ocorrer em um prazo de até um ano. Com a reforma, o banco de horas passou a ser negociado diretamente entre empregado e empregador, através de um acordo individual, com a compensação devendo ocorrer em até seis meses.
Sete Anos Depois: Avaliação e Perspectivas
Passados sete anos desde sua implementação, a reforma trabalhista continua sendo um tema amplamente debatido. De um lado, há quem defenda que as mudanças trouxeram maior segurança jurídica para as relações de trabalho, além de ajudarem a reduzir a informalidade e gerar empregos formais. Para esse grupo, a reforma foi uma resposta necessária ao contexto de desemprego elevado e estagnação econômica que o Brasil enfrentava em 2017.
No entanto, sindicatos e organizações de defesa dos direitos dos trabalhadores apontam que a reforma não conseguiu atingir seu objetivo principal: a geração de empregos de qualidade. Apesar da leve recuperação do emprego formal, muitos trabalhadores têm se deparado com vagas de baixo salário e condições de trabalho precárias, sem a devida proteção dos direitos trabalhistas.
A advogada Rithelly Eunilla, por exemplo, destaca que “apesar de a reforma ter trazido um alívio para o mercado de trabalho e as empresas, não se pode ignorar que a qualidade do emprego gerado, em muitos casos, é questionável”. Ela alerta para a necessidade de novos ajustes na legislação para garantir uma proteção mais robusta aos trabalhadores, especialmente diante de novas modalidades de emprego, como o trabalho digital e a “uberização”.
A Necessidade de Ajustes: Novas Formas de Trabalho
Uma das questões centrais no debate atual é a regulamentação das novas formas de trabalho que surgiram após a reforma. O mercado de trabalho está cada vez mais dinâmico e digital, com muitas profissões sendo caracterizadas pela “uberização”, um modelo no qual trabalhadores prestam serviços de forma esporádica e autônoma, sem vínculo formal com a empresa contratante.
A necessidade de regulamentar essas novas formas de trabalho, como o trabalho digital e os aplicativos de transporte e entrega, é uma das pautas principais dos especialistas. De acordo com a advogada, “o mercado de trabalho está evoluindo de maneira rápida e, com isso, surgem novas demandas que precisam ser regulamentadas para garantir direitos básicos aos trabalhadores”. Entre esses direitos, estão a jornada de trabalho, o descanso, a remuneração justa e a proteção contra a precarização das condições laborais.
A Caminho de Novas Mudanças
Com as novas discussões sobre a necessidade de ajustes, a reforma trabalhista continua sendo um tema de intenso debate na política e entre especialistas. A busca por um equilíbrio entre a proteção dos direitos trabalhistas e a promoção de um ambiente que favoreça os negócios e o crescimento econômico é uma questão ainda em aberto. Para que a legislação continue a ser eficaz, é fundamental que o debate acompanhe a evolução das novas realidades do mercado de trabalho, sem negligenciar as necessidades de proteção para os trabalhadores.
Conclusão
Sete anos após a reforma trabalhista, o Brasil vive um momento de reflexão sobre o impacto das mudanças e as necessidades de ajustes. Embora a reforma tenha conseguido modernizar a legislação e adaptar o mercado de trabalho às novas realidades econômicas de 2017, os desafios impostos pelas novas formas de trabalho exigem uma atenção contínua dos legisladores, empregadores e sindicatos.
À medida que o mercado de trabalho se transforma, é imperativo que a legislação trabalhista também se ajuste, para que os direitos dos trabalhadores sejam preservados e para que o ambiente de negócios continue a prosperar. Como afirma a advogada Rithelly Eunilla, “o equilíbrio entre as necessidades do mercado e a proteção dos trabalhadores é a chave para um futuro mais justo e dinâmico no Brasil”.
Sobre a Dra. Rithelly Eunilla Cabral
Advogada e pós-graduanda em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela PUC de Minas Gerais, inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil sob o nº 439.133.