
Em um cenário onde a saúde e o bem-estar dos colaboradores se tornam temas centrais nas discussões corporativas, uma prática nefasta tem ganhado notoriedade e preocupação: comprar atestado médico e a venda de atestados médicos falsos. Longe de ser um mero “jeitinho” para justificar uma falta, essa atitude configura uma série de crimes e infrações graves, com consequências que podem ser irreversíveis para a vida profissional e pessoal do indivíduo. A percepção de impunidade, que por vezes cerca o tema, é uma ilusão perigosa. Investigadores, conselhos de medicina e até mesmo a Polícia Federal têm intensificado as operações de combate a esses esquemas, revelando uma teia de fraudes que prejudica o sistema de saúde, mina a confiança nas relações de trabalho e coloca em risco a vida de quem, em vez de buscar tratamento, se esconde atrás de um documento forjado.
O atestado médico é um documento de extrema importância, um instrumento legal que formaliza a necessidade de afastamento de um trabalhador para que ele possa cuidar da própria saúde. Ele garante um direito fundamental, preservando a dignidade e a recuperação do indivíduo. No entanto, quando esse documento é obtido de forma fraudulenta, ele perde seu propósito, transformando-se em uma evidência de crime. A falsificação, o uso de um documento adulterado ou a emissão de um atestado sem a devida avaliação clínica são atos que desvirtuam a finalidade do sistema de saúde e podem ser enquadrados em diversos artigos do Código Penal. Além disso, a confiança, um pilar fundamental da relação entre empregador e empregado, é quebrada de forma irremediável. O trabalhador que utiliza essa via não apenas se expõe a penalidades legais, mas também destrói sua reputação profissional, podendo resultar em uma demissão por justa causa, a mais severa punição no âmbito trabalhista. Este artigo se aprofunda nos riscos, crimes e consequências da compra de atestado médico falso, apresentando as alternativas legítimas e seguras que o trabalhador pode e deve seguir para preservar seus direitos e sua integridade.
A Falsificação de Atestados e o Código Penal Brasileiro
O Enquadramento Legal: Da Falsificação ao Uso de Documento Falso
O ato de criar ou alterar um atestado médico, inserindo informações falsas com o objetivo de alterar a verdade sobre um fato juridicamente relevante, pode ser enquadrado como falsidade ideológica (Art. 299 do Código Penal). A pena para este crime pode ser de um a cinco anos de reclusão, mais multa, se o documento for público. Já a falsificação de documento público (Art. 297) ou privado (Art. 298) ocorre quando o atestado é criado ou adulterado integralmente. As penas para esses crimes são ainda mais severas, podendo chegar a até seis anos de reclusão no caso de documento público. No entanto, o mais comum é o uso de documento falso (Art. 304), que acontece quando o trabalhador apresenta o atestado fraudulento na empresa. Neste caso, a pena é a mesma da falsificação, o que significa que o simples ato de utilizar o atestado na relação de trabalho já o torna réu de um crime com sérias consequências.
A Justiça entende que o atestado médico, mesmo quando emitido por um profissional particular, tem valor legal e, portanto, sua falsificação e uso representam uma ofensa à fé pública. Os tribunais trabalhistas, por sua vez, também têm uma postura rigorosa, considerando a apresentação de atestado falso uma falta grave o suficiente para a demissão por justa causa. Isso implica na perda de todos os direitos rescisórios, como aviso prévio, multa de 40% sobre o FGTS e seguro-desemprego, resultando em um prejuízo financeiro e moral significativo para o trabalhador.
Os Crimes Associados à Fraude com Atestados Médicos
Além dos crimes já mencionados, a fraude com atestados médicos pode envolver outras condutas ilícitas. A falsidade ideológica médica, por exemplo, ocorre quando um profissional de saúde emite um documento com informações inverídicas, mesmo que o documento em si não seja falsificado. Esse ato é punido pelo próprio Conselho Regional de Medicina (CRM) com sanções que podem ir de advertência até a cassação do registro profissional. Em casos mais graves, onde há comprovada participação de médicos em esquemas de venda de atestados, pode haver enquadramento por corrupção ativa ou passiva, especialmente se houver envolvimento de funcionários públicos ou agentes do INSS.
A pena por atestado médico falso varia de acordo com a gravidade do caso e o artigo do Código Penal aplicado. Para o crime de uso de documento falso (Art. 304), a pena é de reclusão de um a cinco anos, além de multa. No caso de falsificação de documento público (Art. 297), a pena pode chegar a seis anos de reclusão. É importante destacar que, mesmo que o atestado seja emitido por um médico, se não houver uma avaliação clínica real, o documento é considerado falso, e tanto quem o emite quanto quem o utiliza podem responder criminalmente. A legislação é clara: a intenção de enganar e o resultado de distorcer a verdade jurídica são os elementos centrais para a configuração do crime.
Consequências Trabalhistas: Demissão por Justa Causa
Como a Justiça do Trabalho Entende a Fraude
A apresentação de um atestado médico falso é considerada uma das faltas mais graves previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A jurisprudência dos tribunais trabalhistas é unânime em considerar essa conduta como justa causa para demissão. A justificativa é clara: o trabalhador viola o dever de honestidade e boa-fé que deve reger a relação de trabalho. Ao apresentar um documento fraudulento, ele demonstra deslealdade e desrespeito às normas internas da empresa e à legislação trabalhista.
Para que a empresa possa demitir por justa causa, é necessário que ela prove a fraude. Isso pode ser feito de várias maneiras: através da contratação de uma perícia médica que ateste a falsidade do documento, pela confirmação com o conselho de medicina de que o médico não emitiu o atestado, ou por meio de investigações que comprovem que o trabalhador estava em atividades diferentes das alegadas no atestado (como em uma viagem ou evento social). Uma vez comprovada a fraude, a empresa pode proceder com a demissão por justa causa, sem qualquer ônus financeiro.
Impacto Financeiro e Profissional da Demissão
As consequências de uma demissão por justa causa por atestado falso são devastadoras. O trabalhador perde todos os direitos rescisórios, incluindo aviso prévio, saldo de salário, férias proporcionais com 1/3, 13º salário proporcional e multa de 40% sobre o FGTS. Além disso, fica impedido de sacar o saldo do FGTS e de se inscrever no seguro-desemprego. Esse prejuízo financeiro imediato pode ser agravado pela dificuldade de encontrar um novo emprego, já que a justa causa fica registrada na carteira de trabalho e pode ser verificada por futuros empregadores.
No plano profissional, a reputação do trabalhador é seriamente comprometida. A marca de desonestidade pode persegui-lo por anos, dificultando sua reinserção no mercado de trabalho. Em setores que exigem alta confiabilidade, como finanças, saúde ou segurança, uma justa causa por fraude pode ser um obstáculo quase intransponível. O impacto emocional e psicológico também não pode ser subestimado: a vergonha, o sentimento de fracasso e a perda de autoestima são comuns entre os trabalhadores que passam por essa situação.
O Impacto na Saúde Pública e no Sistema Médico
Riscos para a Saúde Individual e Coletiva
Além das consequências legais e trabalhistas, a prática de falsificar atestados médicos tem um impacto direto e grave na saúde do próprio trabalhador. Ao recorrer a um atestado falso, o indivíduo evita procurar atendimento médico real, o que pode agravar condições de saúde que precisam de diagnóstico e tratamento. Um simples quadro de dor nas costas, por exemplo, pode ser sintoma de uma hérnia de disco ou de uma lesão mais séria. Sem o devido acompanhamento, o problema pode evoluir para uma incapacidade permanente.
Doenças mentais, como ansiedade e depressão, são especialmente afetadas por essa prática. Muitos trabalhadores usam atestados falsos para se afastar de ambientes estressantes, mas, ao invés de buscar ajuda psicológica ou psiquiátrica, eles apenas mascaram o problema. Isso pode levar ao agravamento do quadro clínico, tornando o tratamento mais difícil e prolongado no futuro. A negligência com a própria saúde, alimentada pela cultura do “jeitinho”, pode ter consequências fatais a longo prazo.
Corrupção do Sistema de Saúde e Ética Médica
A emissão de atestados médicos falsos por profissionais de saúde representa uma grave violação do código de ética médica. Médicos que participam desses esquemas colocam em risco não apenas suas carreiras, mas também a credibilidade de toda a classe médica. O Conselho Federal de Medicina (CFM) e os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) têm o dever de investigar e punir esses profissionais, aplicando sanções que vão desde a censura até a cassação do registro.
Esses esquemas de fraude também sobrecarregam o sistema de saúde público. Quando trabalhadores usam atestados falsos, eles evitam procurar o SUS ou seus planos de saúde, o que distorce as estatísticas de saúde ocupacional e dificulta o planejamento de políticas públicas. Além disso, empresas que sofrem com altos índices de absenteísmo por atestados falsos podem aumentar os custos dos planos de saúde para todos os funcionários, impactando negativamente aqueles que utilizam o serviço de forma legítima.
Como Denunciar e Prevenir a Fraude
Canais de Denúncia e Combate à Fraude
É fundamental que tanto empresas quanto cidadãos saibam como agir diante de suspeitas de fraude com atestados médicos. Empresas podem implementar políticas de verificação, como o contato com clínicas e hospitais para confirmar a autenticidade dos documentos, sem violar o sigilo profissional. Em casos de suspeita, a contratação de uma perícia médica independente pode comprovar a invalidez do atestado.
Para denunciar a venda ou emissão de atestados médicos falsos, o cidadão deve procurar o Conselho Regional de Medicina (CRM) do seu estado. O CRM é o órgão responsável por fiscalizar a conduta dos médicos e pode abrir processos éticos contra os profissionais envolvidos. Caso haja indícios de crime, como falsificação de documento ou estelionato, é possível registrar um Boletim de Ocorrência (BO) na delegacia mais próxima. A Polícia Civil e, em casos mais complexos, a Polícia Federal, têm unidades especializadas no combate a crimes contra a administração pública e à ordem econômômica.
Prevenção e Cultura de Integridade no Ambiente de Trabalho
A prevenção da fraude com atestados médicos deve ser uma prioridade para as empresas. A criação de um ambiente de trabalho com políticas claras de saúde e bem-estar, programas de apoio psicológico (como o Programa de Apoio ao Empregado – PAE) e uma cultura de transparência pode reduzir significativamente a tentação de recorrer a atestados falsos. Quando os trabalhadores se sentem valorizados e apoiados, são menos propensos a cometer atos ilícitos para resolver problemas pessoais.
Treinamentos sobre ética, compliance e direitos trabalhistas também são essenciais. Funcionários bem informados sobre as consequências legais e trabalhistas da fraude são menos propensos a se envolver em práticas ilegais. Além disso, líderes que demonstram integridade e responsabilidade criam um exemplo poderoso para toda a organização.
Perguntas Frequentes Sobre Atestado Médico Falso
- O que acontece se a empresa descobrir que meu atestado é falso? Se a empresa descobrir que o atestado médico que você apresentou é falso, ela pode demiti-lo por justa causa, sem o pagamento de verbas rescisórias como aviso prévio, multa do FGTS e seguro-desemprego. Além disso, a empresa pode apresentar uma notícia-crime e iniciar uma ação judicial contra você por fraude.
- Qual a pena para quem compra atestado médico falso? A pena varia de acordo com o crime em que a prática é enquadrada. Na maioria dos casos, a compra e uso de atestado falso se encaixa no crime de uso de documento falso (Art. 304 do Código Penal), cuja pena é a mesma do crime de falsificação, podendo resultar em reclusão e multa, dependendo da gravidade do ato.
- Como saber se um atestado médico é verdadeiro? Atestados verdadeiros devem conter informações essenciais como o nome completo do paciente, o tempo necessário de afastamento, o código da Classificação Internacional de Doenças (CID) — embora a presença do CID não seja obrigatória, e o médico pode omiti-lo a pedido do paciente — a data e a assinatura e o carimbo do profissional, com seu número de registro no CRM. Empresas e empregadores podem entrar em contato com a clínica ou o hospital, sem violar o sigilo profissional, para confirmar se o atestado foi realmente emitido naquele local.
- Um médico pode ser punido por emitir atestado falso? Sim. Um médico que emite um atestado falso, sem uma avaliação clínica, pode ser responsabilizado tanto na esfera criminal (pelo crime de falsidade ideológica) quanto na esfera ética e profissional. Os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) investigam a conduta do profissional e podem aplicar sanções que vão desde uma advertência sigilosa, até a cassação do registro profissional.
- Como posso denunciar a venda de atestado médico falso? As denúncias podem ser feitas a diferentes órgãos. Se a fraude envolver um profissional ou uma clínica, a denúncia deve ser direcionada ao Conselho Regional de Medicina (CRM) do estado em questão. Se houver indícios de crime, como falsificação de documento, você pode fazer um Boletim de Ocorrência na autoridade policial. Agir contra essa prática é fundamental para proteger a integridade do sistema de saúde.
Alternativas Legais ao Atestado Falso
Como Obter um Atestado Médico Legítimo
Existem caminhos legítimos e seguros para obter um atestado médico quando necessário. O primeiro passo é procurar um médico de confiança, seja no sistema público (SUS) ou em um plano de saúde privado. Durante a consulta, o paciente deve ser honesto sobre seus sintomas e necessidades. O médico, após uma avaliação clínica completa, decidirá se é necessário um afastamento do trabalho e emitirá o atestado com base em critérios médicos, não em solicitação do paciente.
Para afastamentos superiores a 15 dias, o trabalhador deve ser encaminhado ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para avaliação pericial. O auxílio-doença é um direito garantido pela Constituição e protege o trabalhador durante períodos de incapacidade temporária. Esse processo, embora possa parecer burocrático, é justo e protege tanto o trabalhador quanto a empresa.
Programas de Apoio e Benefícios Legais
Muitas empresas oferecem programas de apoio ao empregado (PAE) que incluem atendimento psicológico, orientação jurídica e suporte em crises pessoais. Esses programas são uma alternativa valiosa para trabalhadores que enfrentam problemas que poderiam levá-los a recorrer a atestados falsos. Além disso, o trabalhador pode utilizar seus dias de férias, banco de horas ou licenças previstas em convenções coletivas para resolver questões pessoais sem comprometer sua integridade profissional.
A legislação trabalhista também prevê licenças específicas, como a licença por doença grave (art. 6º da Lei 8.742/93), licença para tratamento de saúde de familiar e licença por acidente de trabalho. Conhecer esses direitos e utilizá-los de forma correta é a melhor forma de proteger a saúde e a carreira.
Conclusão: O Caminho da Legalidade é o Único Seguro
O dilema entre o trabalho e a necessidade de cuidar da saúde não deve jamais ser resolvido por meio da fraude. A prática de comprar ou usar atestado médico falso, embora possa parecer uma saída rápida para um problema imediato, é um caminho repleto de riscos e consequências graves, que afetam a vida do trabalhador em múltiplas esferas: a profissional, a financeira e a legal. A quebra de confiança com o empregador, a demissão por justa causa, as sanções criminais e o prejuízo à própria saúde são apenas alguns dos custos ocultos dessa decisão.
Felizmente, existem alternativas legais e seguras. O caminho para um afastamento legítimo é simples e eficaz: procurar atendimento médico qualificado, ser transparente com o empregador e, em casos de necessidade, buscar orientação legal ou sindical. O sistema de saúde, tanto o público quanto o privado, foi criado para oferecer suporte ao cidadão em momentos de fragilidade. Utilizá-lo de forma correta e honesta não apenas protege os direitos do trabalhador, mas também fortalece o sistema como um todo. A mensagem é clara: o único atestado que garante segurança é aquele obtido de forma honesta, que reflete uma necessidade real de cuidado e recuperação.
Se você ou sua empresa suspeitam de fraude em atestados médicos, proteja-se! Denuncie a prática nos canais competentes e evite prejuízos legais e trabalhistas.





